segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Memorial de leitura

Lembranças... memórias... Somos feitos disso.
Logo cedo as crianças são introduzidas nas letras – que sonho! – porém quando a família não é totalmente letrada, o processo atrasa.
Minha história com a leitura começou paradoxalmente cedo e tarde. Cedo, pois tive tempo de me encantar pelo cheiro de um queijo e de ser desafiada por um pequeno príncipe. Tarde, porque já estava com meus dezenove anos.
Sou de uma família humilde e pais com no máximo a 4ª série completa. Mesmo assim, sempre passaram a mim sobre a importância de estudar, não especificamente sobre a importância do ato de ler.
Anos escolares iniciais. Alfabetização. Operação tartaruga. Soletração. Silabação. Leitura sem compreensão. Falta de fluência. Ainda nesse contexto, uma prima três anos mais nova, que estudava no CA de uma escola particular, a qual tinha uma leitura fluente, além de compreender e recontar com exatidão o que lia. Minha primeira decepção. Eu, ao final da 1ª série, não lia como os outros achavam que eu deveria ler. Comparação com a minha prima. “Isso é impossível! Ela não consegue!”. Eram alguns dos comentários que eu ouvia.
Era difícil para alguém de 7 anos e pouca maturidade entender o que tudo aquilo significava. Nessa época, o meu pouco contato com a leitura dava-se por meio dos livros infantis da minha prima.
Mudança. Retorno a minha cidade natal, Santa Teresa. Passei na escola e estava na 2ª série – pelo menos eu achava!. Segunda decepção. Fui levada à turma da 1ª série da escola onde estava matriculada e solicitada a fazer a leitura de um texto para eles, “sem gaguejar”, senão voltaria para a 1ª série. Essa foi a condição.
Seria possível que eu, para ler, bastava mostrar que era fluente, que não gaguejava?! Que era capaz de unir letras, sílabas, palavras, frases, parágrafos sem obstáculos?! Mais uma vez não tinha maturidade para entender tudo aquilo. Hoje ainda sinto as consequências daquele dia, todas as vezes que tenho de ler algo diante de um público.
No entanto, acredito que em nossa vida não há acasos. Há providências divinas. As coisas acontecem para um determinado fim.
Continuei no colegial e a leitura fazia parte da obrigatoriedade do currículo escolar.
No Ensino Médio, tive contato com a Literatura, a arte da palavra. Li alguns livros, porém tudo muito relacionado com currículo. Foi nesse período que descobri uma “Senhora” chamada Aurélia, que, com sua personalidade e convicções, rompeu um paradigma social de submissão, obediência e fragilidade feminina. Revelou-se forte e decidida.
Um convite: ser professora de informática e de inglês. Novo convite. Um desafio. Aulas de Língua portuguesa. Ingressei na faculdade de Letras, inicialmente por causa do Inglês, contudo, no decorrer do curso, os desafios trazidos pelas professoras de Literatura Brasileira e Portuguesa e de Português fizeram com que o meu contato com a leitura começasse a ser diferente. Fui percebendo que era capaz de ler, compreender, refletir e mudar. Mudar de postura, de pensamento, de opinião. Foi aí que encontrei dois livros “Quem mexeu no meu queijo?”, de John Spencer e “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. Não li “O pequeno príncipe” para dizer que o fiz como as candidatas ao Miss Universo, mas porque era encantada pelo desenho animado que assistia quando mais nova. Conhecer o novo. Vencer obstáculos. Voar para lugares desconhecidos. Que fascínio? Desconhecido a mim é pensar como poderia ter sido diferente o meu universo se tivesse feito incríveis viagens como o Pequeno príncipe.
Mexeram no meu queijo? Óbvio que sim. Estava na faculdade de Letras e descobri o que elas significavam. “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, mostrou-me que as frustrações e decepções existem e fazem parte da vida, só não é possível desistir de um objetivo. A diferença entre a minha e a história do protagonista do livro é que a minha história não teve um triste fim.
Hoje, tento ser uma agente de transformação revelando aos outros como que, para gostar de ler, é preciso buscar a leitura.
Percebi que sou responsável por minha própria história... por minhas memórias.
Lilian

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